Para responder a essa questão, convidamos uma especialista no assunto e anunciante da Rede SerPleno, Patrícia Oye, psicanalista clínica. Patrícia é graduada e pós-graduada em Psicanálise, Pedagogia, Orientação Educacional, Supervisão, Gestão Escolar, Docência em Ensino Superior, Práticas de Ensino com ênfase em Inclusão.
Continue a leitura e saiba tudo sobre como a psicanálise ajuda no luto.
Como a psicanálise entende o processo de luto e suas diferentes fases?
Patrícia explica que, para a psicanálise, no luto, a pessoa se depara não somente com a perda do objeto amado, mas também com uma ameaça à sua própria completude enquanto ser, “a perda significa, ao indivíduo enlutado, perder parte do seu ‘EGO’, o seu ‘EU’".
Segundo a profissional, essa perda leva a um desequilíbrio psíquico, que deve ser tratado por um profissional capacitado, pois o processo de luto é instalado para a elaboração de uma perda, consistindo no desligamento da libido a cada uma das lembranças e expectativas relacionadas ao objeto perdido, por isso, é considerado um processo lento e penoso.
“A dor psíquica é muito intensa e a psicanálise considera que o enlutado passará por cinco fases e transitará por todas elas diversas vezes até chegar a fase final da aceitação”, finaliza.
Não existe uma ordem fixa pelo qual o enlutado passa, mas elas são bem definidas e podem ser identificadas. Confira a seguir quais são as 5 fases do luto, conforme explica Patrícia.
Quais são as 5 fases do luto?
- NEGAÇÃO / TORPOR / DESORIENTAÇÃO / ISOLAMENTO: esse é o momento em que a pessoa tenta se dar conta do que aconteceu. É um momento de assimilação, mas também de negação e desespero diante da verdade. Nesse contexto, também é natural que a pessoa queira se isolar para conseguir dar sentido ao que está acontecendo; ou se ocupar demais para não ter tempo de pensar na perda.
- BUSCA DA FIGURA PERDIDA: é muito comum passar pelo momento de choro e da procura, a pessoa age como se ela própria tivesse se perdido junto ao objeto amado. A realidade de não ver a pessoa querida viva novamente é muito dura. O corpo precisa colocar para fora a dor que a pessoa em luto está começando a sentir. Isso provoca um estado de desmotivação e tristeza profunda.
- RAIVA: o enlutado fica com raiva do mundo, de Deus e, às vezes até mesmo, da pessoa que perdeu.
- DOR PROFUNDA E DESESPERO: Essa fase costuma ocorrer depois do velório e do enterro. É a falta da pessoa nos contextos sociais rotineiros que são responsáveis pela dor que o enlutado sente. Não ver a pessoa nesses contextos traz muito desespero nos primeiros dias de vivência cotidiana. Segundo Freud, a perda exige um investimento de energia no âmbito psíquico que talvez seja difícil de ser entregue naquele momento. Com isso, a pessoa não consegue lidar com o vazio.
- REORGANIZAÇÃO E RE-ELABORAÇÃO/ACEITAÇÃO: chega o processo de tentar organizar a vida para continuar seguindo mesmo após a morte do ente. É a aceitação da perda do objeto amado.
As pessoas consideram o luto, principalmente, após a morte de uma pessoa querida, mas em quais outras situações também pode haver um luto?
O processo de luto está comumente associado à perda de alguém, mas a “morte” pode variar conforme a maneira como é entendida, ou seja, ela pode ser vista como o fim de algo, seja de um sentimento, seja de uma vontade, o que também a coloca no campo das perdas. Patrícia sintetiza que “o luto, em todos os casos, é a reação do sujeito perante a perda”.
A psicanalista comenta que Freud identificou o luto como uma condição de perda de alguém ou de algo muito importante para o “EU”, e que essa perda pode ocorrer de várias maneiras. “Através da perda absoluta, ou seja, da morte, de uma separação, de um desaparecimento, de uma desistência, de um exílio”, exemplifica ela.
“Freud revela que o luto diz respeito à perda de um objeto de investimento pulsional que não é necessariamente um ser humano, portanto, não há diferença na dor do luto por perda ‘física’ ou ‘simbólica’, pois em todos os casos se perde o objeto amado”, conclui.
Como o luto não resolvido pode impactar a vida de uma pessoa a longo prazo?
Para Freud, no luto, nada existe de inconsciente a respeito da perda, ou seja, o enlutado sabe exatamente o que perdeu. Além disso, o luto é um processo natural instalado para a elaboração da perda, que pode ser bem ou mal sucedido, pois quando o luto é bem elaborado culmina com o resgate da pulsão de vida, da libido, ou seja, volta à disponibilidade para amar e investir no mundo. Já a elaboração do luto mal sucedido culminará na pulsão de morte, tudo se reveste de sombra, acabam sucumbindo à dor do luto, tornando-o patológico, melancólico.
Como o luto não resolvido pode impactar a vida de uma pessoa a longo prazo?
Para responder à questão, a psicanalista explica a visão de Freud sobre o assunto:
“Para Freud, no luto, nada existe de inconsciente a respeito da perda, ou seja, o enlutado sabe exatamente o que perdeu. Além disso, o luto é um processo natural instalado para a elaboração da perda, que pode ser bem ou mal sucedido”.
Assim sendo, quando o luto é bem elaborado, permite o resgate da pulsão de vida, da libido, ou seja, a pessoa enlutada recupera sua capacidade e desejo de amar e investir no mundo novamente. “Já a elaboração do luto mal sucedido culminará na pulsão de morte, tudo se reveste de sombra, acabam sucumbindo à dor do luto, tornando-o patológico, melancólico”, responde Patrícia.
Qual a importância de permitir que as emoções fluam durante o luto? E como isso pode ser feito?
“É através da fala que o enlutado possibilita a simbolização da perda, pois é por meio das palavras que haverá uma caracterização do que isso representa para ele”, Patrícia explica, e continua, “é a fala que, também, permite o indivíduo a sair do processo de luto e elabore a continuidade do seu processo de existência humana”.
A psicanalista afirma que isso pode ser feito no “setting psicanalítico”, ou seja, durante as sessões de psicanálise. “A psicanálise, especificamente, pode ajudar o indivíduo na elaboração do processo de luto porque ela motiva o que não pode ser dito, permite ouvir e deixar o paciente expressar seus sentimentos, emoções, angústias, etc., possibilitando, dessa forma, que ele se sinta à vontade e vá além do que lhe é revelado numa conversa inicial”, finaliza.
Como a psicanálise ajuda no luto e na compreensão das emoções envolvidas?
Patrícia conta que a psicanálise oferece uma abordagem profunda para enfrentar o luto e compreender as emoções envolvidas, considerando o processo do luto como algo natural de separação e perda, que envolve dor, raiva, culpa e aceitação. Além disso, a psicanálise também vai explorar o inconsciente, que desempenha um papel fundamental no luto, influenciando emoções, pensamentos e comportamentos.
Também durante as sessões, o paciente poderá entender a relação emocional com a pessoa ou algo, ou seja, o objeto amado perdido, o que ajuda a entender a intensidade do luto, bem como identificar os mecanismos de defesa (repressão, negação, deslocamento, etc.) utilizado inconscientemente e que podem impedir o processo do luto, o que ajuda a processar e integrar a perda, permitindo uma nova organização, através das técnicas psicanalíticas de catarse, análise de sonhos, transferência e interpretação.
Considerando sua experiência profissional, Patrícia explica não apenas como a psicanálise pode ajudar no processo do luto, mas também opina a respeito da relação entre o luto e a negligência das pessoas para lidar com suas emoções e saúde mental nos tempos atuais.
“A maneira como cada um encara as casualidades no decorrer da vida influencia diretamente na forma que essa pessoa vai lidar com uma perda. Numa sociedade moldada e voltada para o imediatismo, é muito comum o relato de pessoas que afirmam não ter tempo para lidar com sofrimentos.
Em todo caso, cabe ressaltar, a negação faz parte do processo de luto. Quando algo muito ruim e inesperado acontece, é como se o aparelho psíquico entrasse num estado de alerta, num estado de choque, até dispor de tempo para elaborar e, portanto, ressignificar o ocorrido; no curto prazo, é mais fácil fingir que nada está acontecendo e simplesmente ignorar a situação; porém, com o passar do tempo, isso não será possível, pois se torna uma situação insustentável.
Nesse sentido, a psicanálise torna-se grande parceira para nortear elementos que ajudem na elaboração de tal processo. A perda de algum objeto amado traz, ainda que momentânea, a fragmentação e desestruturação do sujeito. Portanto, é possível concluir que o luto é um processo de reconstrução e reorganização diante de uma perda, desafio psíquico com o qual todos nós, de um modo ou de outro, teremos de lidar.”.
Em que ponto o luto pode se transformar em uma depressão ou um estado patológico?
Patrícia define que o luto é um processo lento e doloroso, que tem como características uma tristeza profunda, afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido, a perda de interesse no mundo externo e a incapacidade de substituição, com a adoção de um novo objeto de amor. “Freud propõe fazer a travessia, ou o luto é realizado, ou a pessoa fica presa numa posição melancólica/ patológica”.
Segundo Patrícia, se essa travessia pelo luto não ocorre, o enlutado gruda no objeto amado, que é introjetado no seu “EU” como se ele, o enlutado, não tivesse direito de existir, de ser; “ele se se mortifica, acredita que não tem o direito de ser desejante, como se isso não lhe fosse mais permitido”, conclui.
Como o inconsciente influencia a maneira como uma pessoa lida com a perda e o luto?
“Segundo a psicanálise, o inconsciente desempenha um papel fundamental na forma como uma pessoa lida com a perda, portanto, o inconsciente pode reprimir sentimentos dolorosos”, explica Patrícia.
A psicanalista explica que reprimir os sentimentos pode levar à negação ou minimização da perda, deslocar emoções para outros objetos ou pessoas, causando raiva ou ressentimento. Além de poder fazer o enlutado projetar sentimentos reprimidos em outras pessoas, levando à culpa ou acusação.
Por fim, pode levar o enlutado a se identificar com a pessoa perdida, causando sentimento de perda de identidade, bem como levá-lo a criar fantasias para lidar com a perda, como idealização ou romantização.
Como familiares e amigos podem ajudar alguém que está vivenciando o luto sem invalidar o processo de sofrimento?
Para Patrícia, familiares e amigos podem ajudar o enlutado “ouvindo atentamente, permitindo que o enlutado expresse seus sentimentos, validando suas emoções, reconhecendo a dor e a perda, demonstrando empatia ao compartilhar sentimentos sem julgamentos”, pontua. “É importante respeitar o tempo do luto, evitando pressão para superar rápido, compreender que o luto é individual e que, portanto, cada um tem o seu tempo”, alerta a psicanalista.
Patrícia lembra que também é possível oferecer ajuda prática, como auxílio nos afazeres domésticos, suporte financeiro (quando necessário) e acompanhamento em atividades. “Familiares e amigos devem evitar comparar experiências de luto, pressionar o enlutado a falar sobre a perda e minimizar sentimentos”, conclui.
Quais são os sinais de que uma pessoa que está em luto deveria procurar ajuda terapêutica?
Patrícia pontua alguns comportamentos que são um alerta durante o luto: duração excessiva, intensidade extrema do sofrimento, isolamento social, pensamentos suicidas, dificuldades para realizar atividades diárias.
Para a psicanalista, esses comportamentos são sinais de que o enlutado deve procurar ajuda profissional para lidar com a sua perda.
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